Viagem pela História da Cidadania Italiana por Descendência
Neste artigo, abordaremos a evolução histórica e normativa da cidadania italiana, particularmente a cidadania por descendência. Antes de começar, lembre-se de consultar também o artigo introdutório sobre os diferentes modos de aquisição da cidadania italiana.
As Origens da Cidadania Italiana
Na lei italiana, a cidadania é uma condição da pessoa física (chamada cidadão) à qual o Estado italiano reconhece o pleno gozo dos direitos civis e políticos. A cidadania pode ser vista tanto como um status do cidadão quanto como uma relação jurídica estabelecida entre o cidadão e o Estado. Indivíduos sem cidadania italiana são chamados estrangeiros (se possuírem cidadania de outro país) ou apátridas (se não possuírem nenhuma cidadania).
No antigo direito romano, o chamado “status civitatis” permitia distinguir o cidadão romano (“civis romanus”) do não cidadão e, junto com os outros dois status (ou seja, o status libertatis, que distinguia o homem livre do escravo, e o status familiae, que distinguia o pater familias dos outros membros da família), era uma condição necessária para possuir capacidade jurídica.
Ser um cidadão romano significava desfrutar de uma série de privilégios que mudaram ao longo da história. Resumindo, a cidadania romana permitia acesso a cargos públicos e várias magistraturas (bem como a possibilidade de votar em períodos eleitorais), a possibilidade de participar de assembleias políticas, vários benefícios fiscais e, acima de tudo, a possibilidade de ser sujeito de direito privado (com a possibilidade de se apresentar em juízo e usufruir dos mecanismos do ius civile/direito romano).
Na era imperial, a cidadania era concedida apenas pelo imperador.
Na Idade Média, a cidadania foi inicialmente concedida àqueles que possuíam uma casa dentro das muralhas da cidade por um número específico de anos e pagavam impostos. Posteriormente, estendeu-se também a várias categorias de imigrantes, com medidas variadas.
Em geral, podia-se desfrutar de inúmeras vantagens: econômicas, jurídicas e culturais.
Mas também havia uma série de deveres, como o pagamento de impostos ou a defesa da comunidade através da participação na estrutura militar.
É evidente que, ao longo da história, o termo cidadania teve diferentes usos e significados: poderia indicar a forma como os poderes e recursos eram distribuídos no âmbito da ordem político-social ou indicar a relação entre o indivíduo e a ordem política (no sentido de participação ativa do sujeito na esfera pública).
A Diferença entre Ser Cidadãos e Ser Súditos
O conceito de súdito indica aquele que está sujeito à soberania de um Estado e vive em situações jurídicas puramente passivas (apenas deveres e sujeições). Por outro lado, o conceito de cidadão implica a titularidade de direitos e outras situações jurídicas ativas (obviamente sempre acompanhadas de deveres e outras situações jurídicas passivas).
É precisamente quando o Estado reconhece ao súdito vários direitos civis e políticos que este se torna um cidadão.
Nos países ocidentais, às vezes, antes de obter a verdadeira cidadania, passa-se por situações intermediárias; a referência é feita à permissão de residência de curto ou longo prazo ou ao cartão de residência (que na Itália é uma espécie de permissão de residência permanente).
A Cidadania Italiana
Como mencionado na introdução, a cidadania italiana é um status da pessoa física (chamada cidadão italiano) ao qual a ordem jurídica italiana reconhece a plenitude dos direitos civis e políticos.
Na Itália, o conceito moderno de cidadania nasceu com a formação do Estado unitário; é atualmente regulamentada pela lei número 91 de 1992.
A cidadania italiana é baseada principalmente no ius sanguinis (por nascimento, reconhecimento ou adoção, por parte de pelo menos um dos pais, cidadão italiano) e, apenas residualmente, no ius soli (por nascimento na Itália de pais apátridas ou de pais estrangeiros cuja ordem jurídica de origem não contemple o ius sanguinis).
Outras formas de adquirir a cidadania incluem: naturalização, casamento com um cidadão italiano, a pedido se nascido na Itália de pais estrangeiros e residindo ininterruptamente até os 18 anos. (Recomendamos a leitura deste artigo para descobrir em detalhes esses e outros métodos).
Cronologia Legislativa sobre a Cidadania Italiana
A cidadania de acordo com o Estatuto Albertino
É o Estatuto Albertino, datado de 1848, que constitui a primeira norma fundamental sobre a cidadania do Estado italiano (formado em 1861). Foram listados uma série de princípios fundamentais na base da então ordem monárquica.
O artigo 24 do Estatuto afirmava a igualdade dos súditos perante a lei, mas apenas em referência aos homens, já que as mulheres estavam subordinadas à autoridade do pater familias; no entanto, isso permitia que qualquer questão relacionada à cidadania (incluindo sua perda ou recuperação) fosse transmitida a toda a família (mulher e filhos).
A Cidadania italiana por Descendência no Código Civil de 1865
A perda e a aquisição da cidadania italiana eram previstas do artigo 4 ao artigo 15 deste código. Foi estabelecido o critério do jure sanguinis, ou seja, era cidadão italiano o filho de um cidadão italiano (pai). A perda ocorria por renúncia (seguida por emigração) ou pela obtenção de uma cidadania estrangeira.
A Cidadania italiana na Lei Número 555 de 1912
A ideia de sujeição da esposa (e, portanto, dos filhos) ao marido presente no Estatuto Albertino é encontrada na lei número 555 de 1912.
Os principais aspectos eram os seguintes:
- o ius sanguinis constituía, como no regime atual, o princípio fundamental, enquanto o ius soli era um método residual
- os filhos seguiam a cidadania do pai e apenas residualmente a da mãe; esta última transmitia o direito à cidadania aos filhos nascidos antes de 1º de janeiro de 1948 (data de entrada em vigor da Constituição italiana), de acordo com o artigo 1, parágrafo 2 da lei. Portanto, nos casos em que o pai era desconhecido ou apátrida, os filhos não seguiam a cidadania do pai estrangeiro de acordo com a lei do país deste (se o país estrangeiro previa a cidadania estrangeira apenas ius soli e não ius sanguinis)
- a mulher perdia a cidadania italiana original se casasse com um estrangeiro, assumindo diretamente e imediatamente a cidadania deste último.
Também havia casos de dupla cidadania (artigo 7). Neste caso, o filho nascido de pai italiano em um país que previa e concedia a cidadania ius soli, possuía tanto a cidadania italiana quanto a do país de nascimento. A dupla cidadania também era estendida às filhas, embora estas, posteriormente, não pudessem transmitir sua própria cidadania italiana aos filhos nascidos antes de 1º de janeiro de 1948.
No artigo 12, estava previsto que se a mãe viúva (exercendo a autoridade parental sobre os filhos) mudasse de cidadania após contrair novo casamento, a cidadania dos filhos do primeiro leito permaneceria inalterada (mesmo em caso de aquisição automática da nova cidadania da mãe).
As mulheres estrangeiras casadas com cidadãos italianos (antes de 27 de abril de 1983) também tinham dupla cidadania.
A Cidadania na Constituição Italiana
Com o advento da Constituição Republicana, inicialmente não havia uma norma de implementação sobre a cidadania materna, até a lei de 1983. Apesar da igualdade prevista nos artigos 3 (igualdade de todos os cidadãos perante a lei) e 29 (igualdade entre os cônjuges) da Constituição, ainda não havia nenhuma lei que previa uma norma para permitir que o filho de mãe com cidadania italiana e pai estrangeiro fosse cidadão italiano ius sanguinis.
Somente em 1975 e 1983 houve importantes decisões do Tribunal Constitucional que intervieram para declarar a inconstitucionalidade das normas anteriores (analisaremos nos parágrafos seguintes). De fato, com a chegada do artigo 136 da Constituição, tornou-se possível para o Tribunal Constitucional (um órgão de nova instituição) declarar a inconstitucionalidade das normas legais ou atos com força de lei, fazendo assim cessar a eficácia destes últimos a partir do dia seguinte à publicação da decisão.
Quais foram as decisões do Tribunal Constitucional e as leis promulgadas como resultado?
- A decisão número 87 de 1975: declarou a inconstitucionalidade do artigo 10, terceiro inciso, da lei número 555 de 1912, no que diz respeito à parte que previa a perda da cidadania italiana independentemente da vontade da mulher. Este artigo estava em conflito com os novos princípios constitucionais, pois considerava a mulher juridicamente inferior ao homem e como sujeito sem plena capacidade jurídica (não reconhecendo direitos políticos ativos ou passivos). Além disso, criava uma disparidade de tratamento não justificada e irracional entre os cônjuges e entre as mesmas mulheres italianas que se casavam com um estrangeiro (porque dependia da perda automática ou da conservação da cidadania da existência ou não de uma norma estrangeira, portanto de uma circunstância alheia à vontade).
- A lei número 151 de 1975 (reforma do direito de família) promulgada como resultado da declaração de inconstitucionalidade descrita acima. Com o artigo 219 da lei, permitia-se às mulheres o “reconhecimento” (melhor reconhecimento, como estabelecido pelo Tribunal Constitucional) da cidadania com declaração da autoridade competente.
- A decisão número 30 de 1983: aqui, o Tribunal Constitucional não apenas declarou a inconstitucionalidade do artigo 1 da lei número 555 de 1912 (no ponto em que não previa que fosse cidadão por nascimento também o filho de mãe cidadã), mas também do artigo 2, parágrafo 2, da mesma lei (que permitia a aquisição da cidadania materna pelo filho apenas em hipóteses de caráter residual). Daí em diante, poder-se-ia adquirir a cidadania em qualquer circunstância.
- O parecer número 105 de 1983 do Conselho de Estado previa que poderiam ser considerados cidadãos italianos apenas os nascidos de mãe cidadã a partir de 1º de janeiro de 1948 (data de entrada em vigor da Constituição), não podendo haver efeitos retroativos da decisão número 30 de 1983 do Tribunal Constitucional. (leia aqui para aprofundar a questão).
- A Lei nº 123 de 1983 estabelecia que é cidadão por nascimento o filho menor (inclusive adotivo) de pai ou mãe cidadãos, ou nascido na Itália; também admitia a posse da cidadania múltipla. No caso de dupla cidadania de um não nascido na Itália, este deveria escolher apenas uma cidadania dentro de um ano após atingir a maioridade (artigo 5). Desta forma, foi revogada a norma anterior que previa a aquisição automática da cidadania italiana iure matrimonii para estrangeiras que casassem com um cidadão italiano. Assim, finalmente foi alcançada e sancionada a igualdade dos cônjuges estrangeiros perante a lei italiana, e reafirmado o importante princípio da aquisição da cidadania por vontade expressa.
Qual é a legislação atualmente em vigor sobre a cidadania italiana por descendência?
Historicamente, este conceito de transmissão da cidadania italiana por descendência está ligado às emigrações em massa da Itália para outros países e à figura do oriundo, ou seja, quem, nascido e residente em um país, tem descendência de pais ou antepassados que se mudaram para lá do país de origem.
Hoje está em vigor a lei número 91 de 1992, que estabelece no artigo 1º que é cidadão por nascimento:
- o filho de pai ou mãe cidadãos
- quem nasceu no território italiano se ambos os pais são desconhecidos ou apátridas ou se o filho não segue a cidadania dos pais (segundo a lei do estado destes últimos);
- o filho de desconhecidos encontrado na Itália (se não possuir outra cidadania).
O artigo 3, por outro lado, reproduz parcialmente o texto do artigo 5 da lei número 123 de 1983, considerando cidadão o filho adotivo, mesmo estrangeiro, de cidadão ou cidadã italianos, mesmo que adotado antes da data de entrada em vigor da lei (portanto, há retroatividade). Ao contrário, a retroatividade da lei não é prevista em situações como as do artigo 20, pelas quais a cidadania adquirida anteriormente não se modifica a não ser por fatos posteriores à data de entrada em vigor da lei.
É sempre admitida a cidadania múltipla, ao contrário do artigo 5 da Lei número 123 de 1983.
Leis posteriores a 1992 modificaram e ampliaram o acesso à cidadania para algumas categorias de cidadãos excluídos por razões históricas.
Trata-se das seguintes leis:
- lei número 379 de 2000, que reconhece a cidadania italiana às pessoas nascidas e já residentes nos territórios pertencentes ao Império Austro-Húngaro e aos seus descendentes;
- lei número 124 de 2006, para o reconhecimento da cidadania italiana aos conacionais da Ístria, de Fiume e da Dalmácia e aos seus descendentes.
Resumindo, segundo a legislação atualmente em vigor, para o reconhecimento da cidadania por descendência de avô italiano, o estrangeiro (nascido em um país que o reconheça como seu cidadão por nascimento) pode solicitar que lhe seja reconhecida a cidadania italiana por direito de sangue. Uma condição importante é a prova da ausência de interrupções na transmissão da cidadania. Isso significa: não naturalização estrangeira do avô antes do nascimento dos filhos e ausência de declarações de renúncia à cidadania italiana por parte dos demais descendentes antes do nascimento da geração seguinte (em demonstração da não interrupção da cadeia de transmissões da cidadania).
No caso de o requerente ser residente no exterior, a solicitação deverá ser apresentada à autoridade consular italiana competente por território.
No caso de o requerente ser residente na Itália, a solicitação deverá ser apresentada ao Prefeito do Município onde o interessado estabeleceu residência. (leia este artigo para obter informações mais detalhadas) Em cada etapa do processo, pode ser conferida uma procuração especial com ato notarial a um profissional que cuidará dos interesses do requerente.
Qual foi a evolução da cidadania italiana iure sanguinis por via materna?
Breve resumo dos eventos que marcaram a cidadania italiana por descendência / iure sanguinis por via materna (você pode ler este artigo especificamente dedicado ao assunto).
Por efeito da lei número 123 de 1983 e do parecer do Conselho de Estado, vimos como eram reconhecidos italianos os filhos nascidos após 1º de janeiro de 1948 de mulheres italianas que se tornaram cidadãs estrangeiras por casarem com cidadãos estrangeiros. No entanto, não eram reconhecidos como italianos os filhos nascidos em época anterior.
De relevância significativa foi, então, a sentença número 4466 de 25 de fevereiro de 2009 da Corte de Cassação, a Seções Unidas, que reconheceu a cidadania italiana também para os filhos nascidos antes de 1948. Assim, em consequência da sentença da Corte Constitucional número 87 de 1975 e da sentença do Conselho de Estado número 30 de 1983 (anteriormente analisadas), a Cassação estabeleceu que deve ser reconhecido o direito ao “status” de cidadão italiano ao requerente nascido no exterior, filho de mulher italiana casada com cidadão estrangeiro sob a vigência da Lei número 555 de 1912 (lembramos que, segundo esta lei, a mulher era privada da cidadania italiana por causa do casamento). A motivação reside no fato de que o direito de cidadania é um “status” permanente e imprescritível (exceto extinção após renúncia por parte do requerente), portanto é justificável em qualquer tempo.
Assim, desde 2009, os juízes dos Tribunais civis italianos (aos quais se deve recorrer) proferiram diversas sentenças de reconhecimento da cidadania italiana a filhos e descendentes de cidadã italiana, nascidos antes de 1948. De fato, este é um tipo de reconhecimento judicial, não administrativo.
Resumindo, hoje o cidadão residente no exterior, após obter o reconhecimento da descendência em linha materna antes de 1948, deve solicitar a transcrição dos atos de Estado Civil à Autoridade Consular Italiana competente por território.
Conclusões
Se você tem dúvidas e deseja receber esclarecimentos sobre a cidadania italiana por descendência, não hesite em contactar os nossos advogados especializados em cidadania italiana para receber uma consulta.